domingo, 1 de março de 2015

Reforma Agrária

 Como havia prometido aí está alguma coisa sobre propriedade da terra no Brasil! Não esqueçam de comentar

liano Sérgio Azevedo Lopes Professor da Universidade Federal de Sergipe (UFS)

Não deixa de causar certo desconforto, entre aqueles que têm se dedicado ao estudo das transformações no mundo rural, estarmos aqui reunidos, em pleno século XXI, para falar de reforma agrária, uma questão que já deveria ter sido resolvida no Brasil desde a segunda metade do século XIX. 

Entretanto, por fazer parte da realidade atual, como uma questão importante a ser tratada – embora, muitos dos que a defendiam no passado recente não mais pensem assim – não podemos e nem temos o direito de ignorá-la, pelo significado que ela encerra, seja do ponto de vista sócio-econômico seja da dimensão política que lhe é inerente.

Penso que responder qual o sentido da reforma agrária no presente século requer, antes de qualquer outra coisa, contextualizar a reforma agrária, situá-la num quadro mais amplo do cenário atual, sem perder de vista os determinantes que no processo histórico foram moldando a paisagem rural e, principalmente, o quadro agrário brasileiro, notadamente no que diz respeito à configuração da estrutura de propriedade, posse e uso da terra e às relações de produção que foram sendo constituídas.

O que significa pensá-la tendo como referência o passado, porém sem perder de vista o processo de globalização porque vem passando o mundo nessa última década, provocando transformações céleres na economia dos países, variando de intensidade e amplitude, o Brasil aí incluso. Ressalte-se, todavia, que se é inquestionável a constatação desse fenômeno, a sua real extensão e profundidade e o que dele resultará, em termos do desenvolvimento das nações, ainda constitui algo incerto e muito nebuloso.

Como bem o coloca o professor Milton Santos, na apresentação do livro de Georges Benko, intitulado Economia, espaço e globalização na aurora do século XXI (1996), o grande desafio deste fim de século é “o entendimento das novas estruturas econômicas e políticas que, organizadas à escala do planeta, estão criando um verdadeiro novo mundo, do qual um dos aspectos marcantes são as novas configurações espaciais”. E o ponto de partida é compreender o processo de globalização e o seu impacto sobre o território. Ele propõe que o local e o global devem ser enxergados sob uma mesma lógica, como duas extremidades de uma nova dialética, materialmente fundada no império das técnicas de alta tecnologia.


No que diz respeito especificamente ao tema que nos interessa, sem entrar em maiores detalhes, creio ser possível afirmar que existe um consenso entre os diversos estudiosos da agricultura brasileira que o traço marcante da questão agrária é a elevada concentração da terra, que vem desde o período colonial, e o peso que ela tem nos demais problemas que se observa no campo – êxodo rural, violência, fome, etc.
Antes de tudo, porque a gênese da agricultura brasileira tem como base um tripé formado por latifúndios, monocultura e braço escravo.
O desenvolvimento do capitalismo agrário no Brasil levou à modernização da agricultura, principalmente a partir dos anos 60 do século passado, porém mantendo um perfil excludente com relação aos trabalhadores rurais, e concentrador da terra e da renda agrícolas. Daí porque alguns autores atribuem a esse fenômeno a denominação de “modernização conservadora”.

Além de não alterar substancialmente a estrutura de posse e uso da terra no país, democratizando o acesso à terra, seus resultados foram diferenciados tanto no que diz respeito aos tipos de culturas desenvolvidas (para exportação ou para o mercado interno) como aos atores sociais que a conduzem (pequenos produtores e grandes proprietários de terras). Igualmente, as alterações nas relações de produção tiveram por consequência o assalariamento de um contigente enorme de camponeses pobres e trabalhadores rurais, expulsos de suas terras e obrigados a buscar novas condições de reprodução social nas chamadas áreas de fronteira agrícola – oeste do Paraná, Centro-Oeste e, mais recentemente, a Amazônia.

É importante ressaltar que, mesmo nas regiões de expansão da fronteira agrícola, a despeito dos programas de colonização dirigida implantados pelo INCRA, numa tentativa de atenuar as lutas pela terra que eclodiam principalmente na região Nordeste, o número de latifúndios foi substancialmente aumentado, como consequência dos incentivos fiscais concedidos pela SUDAM – Superintendência de
Desenvolvimento da Amazônia à grandes empresas do Centro-Sul do país.

Assim, a despeito das intervenções feitas pelo Estado brasileiro ao longo do tempo, com o objetivo de democratizar o acesso à terra, um pequeno número proprietários rurais continua a se apropriar da grande maioria das terras, enquanto milhões de camponeses e trabalhadores rurais não têm terra ou a possuem em pequena monta. Em outras palavras, a estrutura fundiária no Brasil pouco mudou, seja no passado seja no período contemporâneo.

Longe de tentar dar conta da complexidade que envolve tal questão, muito menos de ter uma resposta conclusiva sobre a mesma, minha participação vai mais no sentido de trazer para à discussão alguns elementos que considero importantes para pensarmos no significado e na importância de se fazer a reforma agrária no nosso país, contextualizando-a historicamente.

Estima-se que existam no Brasil cerca de 150 milhões de hectares de terra de latifúndios completamente ociosos, sem qualquer utilização produtiva, onde os seus proprietários – geralmente membros das elites e das oligarquias rurais que historicamente detêm o poder no nosso país – ignoram solenemente o preceito legal de que as terras devem cumprir a sua função social. No outro extremo, mais de 4 milhões de trabalhadores rurais sem-terra e camponeses pobres, cuja reprodução física e social a cada dia que passa mais se agrava.Segundo estudo feito pelo IPEA, de autoria de Ricardo Paes de Barros e Rosane Mendonça, em 1999, 53 milhões de brasileiros viviam abaixo da linha de pobreza (considerada pelos autores como sendo igual a 155 reais, para a média do país), dos quais 23 milhões nem sequer atingiam a faixa de indigência – eram os miseráveis, os mais pobres entre os pobres. Isso corresponde a 34% e 14,5% da população brasileira, respectivamente (Revista Veja, 15/5/2002). A maior concentração estava sobretudo no Nordeste e, particularmente, no meio rural.

Por outro lado, segundo a ONU, o Brasil ocupava o septuagésimo quarto lugar entre os países do mundo em termos de índice de desenvolvimento humano (que mede o desempenho dos países levando em conta a expectativa de vida, educação e renda). Mais ainda: o Brasil possui, provavelmente, a pior distribuição de renda do mundo. Segundo o último relatório do Banco Mundial, em termos de desigualdade social, só perdíamos para Serra Leoa.

Um outro indicador que revela a extrema e inaceitável concentração da propriedade da terra no Brasil é o chamado Índice de Gini. Variando numa escala que vai de zero a um, numa ordem crescente de desigualdade na distribuição da terra, esse índice revela que no Brasil a existência de muita terra em mãos de poucos e muita gente sem terra ou com pouca terra, pouco mudou. Os professores Rodolfo Hoffmann e José Graziano da Silva (1999), no artigo “O Censo Agropecuário de 1995-1996 e a distribuição da posse da terra no Brasil”, mostram que o índice de Gini permaneceu praticamente o mesmo no período 1975-1995/96, ao redor de 0,86, o que demonstra a persistência da desigualdade da distribuição da terra nesse período.

Isto, apesar da constituição, segundo o “Balanço da Reforma Agrária e da Agricultura Familiar 2001” elaborado pelo INCRA, de 4.635 assentamentos rurais implantados pelo órgão no período 1964/2001, onde foram assentadas 802.688 famílias , além de um número desconhecido de projetos criados por iniciativa de governos estaduais, principalmente no Nordeste. A concentração da terra continua muito forte, refletindo numa situação onde as desigualdades na distribuição de renda no campo, a violência, a fome e a miséria adquirem visibilidade inquestionável.É por isso que estima-se existir hoje, no Brasil, cerca de 60 mil famílias acampadas em mais de 150 acampamentos em todo o país, esperando as promessas do governo. Por outro lado, graças à política agrícola do governo, nesses oito anos mais de 400 mil pequenos proprietários perderam suas terras e tiveram que deixar a agricultura e outros 2 milhões de trabalhadores assalariados perderam seus postos de trabalho na agricultura.

O professor José Vicente Tavares dos Santos (1998), no artigo “Conflitos Sociais Agrários”, mostra que entre os anos de 1989 e 1997, houve “um acentuado volume de conflitos pela terra, em todas as regiões brasileiras, num total de 4.757 conflitos, envolvendo 596.405 famílias”.
Outros indicadores também mostram a atualidade da reforma agrária e a necessidade de fazê-la com a máxima urgência, como mostra Gerson Teixeira (2002), no artigo “Alguns Dados da realidade Brasileira Segundo o Censo 2000”, a seguir relacionados.

Por exemplo, o tamanho do êxodo rural ocorrido entre 1990 e 2000. Em 1990, a população rural brasileira era de 35,8 milhões de pessoas, correspondendo a 24% da população total. Dez anos depois, ela caiu para 31,8 milhões, ou 18,8% da população total. Por outro lado, a população total cresceu 15,6% entre 1990 e 2000, o que significa dizer, segundo o autor, que caso as áreas rurais tivessem mantido a taxa de crescimento demográfico do país durante o período, a sua população no ano 2000 seria de 41,4 milhões, ou seja, 9,4 milhões de pessoas a mais do que a população registrada pelo Censo 2000.

No que tange aos rendimentos da população rural, os dados do Censo 2000 mostram que enquanto no setor urbano 19,8% dos domicílios apresentavam rendimento mensal de até um salário mínimo, na área rural esse número chegava a 47% (3,5 milhões de um total de 7,5 milhões); 11,6% tinham renda zero e 81% das pessoas residentes nos domicílios rurais sobreviviam com até dois salários mínimos.

O analfabetismo nas áreas rurais, segundo o Censo 2000, alcançava 32,6% da população rural acima de 5 anos de idade, ou seja, 9,2 milhões de analfabetos. Do total de crianças entre 5 e 9 anos de idade das área rurais, cerca de 2,4 milhões ou 65% do total eram analfabetas. Das pessoas com mais de 10 anos (24,5 milhões), 28% eram analfabetas (6,8 milhões), sendo o Nordeste o campeão do analfabetismo, com 39,4% (4,4 milhões) e a Região Sul a que apresentou o índice mais baixo entre as 5 regiões do país, com 11,2% (436,1 mil).

Dos 7,5 milhões de domicílios particulares permanentes existentes na área rural em 2000, apenas 18% tinham água encanada; somente 9,5% dispunham de fossa séptica; 54,3% não tinham banheiro; e 87% eram obrigados a enterrar ou jogar o lixo em logradouro, terreno baldio, no rio, no mar, etc.

Ressalte-se que esse cenário não se restringe às regiões mais pobres do país , como o Norte e o Nordeste, mas é extensivo ao Sul e ao Sudeste, que representam as áreas mais dinâmicas da agricultura brasileira e que foram as regiões que mais se beneficiaram do processo de “modernização conservadora”, ocorrido no país desde os anos 60 do século recém-findo.

Como os trabalhadores rurais têm reagido a essa situação? Através de lutas, de enfrentamento direto e outras formas de pressão junto ao Estado, organizados pelas suas entidades de classe e/ou movimentos sociais, no sentido de que sejam desapropriados os latifúndios e neles implantados assentamentos rurais.

Nos anos 50 e início de 60, através das Ligas Camponesas, e, dos anos 80 até hoje, pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, alguns sindicatos ligados à CONTAG e outros movimentos regionais secundários, dissidentes do MST, como por exemplo o Movimento de Luta pela Terra - MLT, na Bahia e em Minas Gerias, o Movimento Camponês Corumbiara – MCC, em Rondônia, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MTST, em São Paulo, etc. Todavia, embora não seja o único diretamente envolvido com a luta pela terra e pela reforma agrária no Brasil, sem dúvida alguma o MST é o mais importante e expressivo movimento social surgido no Brasil nos últimos 50 anos.

Como resultado dessas lutas, o Estado tem sido impelido a constituir assentamentos rurais em áreas de latifúndios desapropriadas pelo INCRA, nas diferentes regiões do Brasil. Isto faz dos assentamentos rurais, na atualidade, um importante fenômeno da questão agrária brasileira. Entre outros motivos, porque é cada vez mais visível a constatação de que o tema da reforma agrária está sendo pensado a partir da realidade dos assentamentos rurais, como afirma a professora Sônia Bergamasco, no livro O que são assentamentos rurais (Bergamasco & Loder, 1996).
Acrescente-se a isso o fato de que, segundo ela, os assentamentos “representam uma importante iniciativa no sentido de gerar empregos diretos e indiretos a baixo custo e para estabelecer um modelo de desenvolvimento agrícola em bases sociais mais eqüitativas, num quadro agravado pela ampliação de fome e de miséria, do desemprego, do inchaço dos centros urbanos e das reduzidas taxas de crescimento, sobretudo nos países com elevados índices de pobreza e exclusão social”.

Por outro lado, o valor estratégico desse tipo de experiência, embora ainda pouco representativa numericamente, está na capacidade de fornecer elementos para uma avaliação da pertinência da proposta de reforma agrária e de sua atualidade como ponto central de uma política que vise a reestruturação da propriedade fundiária no Brasil.

O que chama atenção, no entanto, é que “a implementação dos assentamentos rurais não decorre de uma deliberada política de desenvolvimento voltada para o atendimento das demandas da população rural, mas de uma tentativa de atenuar a violência dos conflitos sociais no campo, principalmente a partir da primeira metade dos anos 80” (Bergamasco & Loder, 1996).

Mesmo assim, tem-se observado que o surgimento de novos agentes públicos e privados a intervir no processo, a presença de trabalhadores muitas vezes oriundos de outros municípios já criam, por si só, uma disputa em torno de quem deve ser assentado, que critérios e prioridades devem ser estabelecidas, etc.

Não são poucos os exemplos de desapropriações de terras em que prefeitos e chefes políticos locais tentam impor ao INCRA os nomes dos seus “escolhidos”, para receberem um lote. Com este tipo de intervenção presente, os laços tradicionais de patronagem são colocados em xeque, tornando-se o assentamento um espaço importante no sentido de questionar a manutenção do clientelismo, promover sua ruptura, criar novos laços ou, talvez, em algumas circunstâncias, fortalecê-los (Leite, Sérgio e Medeiros, Leonilde. ”Os impactos regionais dos assentamentos rurais: dimensões econômicas, políticas e sociais” (projeto de pesquisa), 1995).

A constituição dos assentamentos provoca, ainda, a necessidade de uma maior oferta de bens sociais, equipamentos e serviços públicos por parte do Estado, principalmente para atender demandas no campo da saúde, educação, transporte, apoio à produção, etc. Demandas essas que se somam às de outras comunidade ou povoados rurais e que, às vezes, são objeto de disputa entre estes e os assentamentos, cada um deles procurando ser alvo da atenção do poder público.

Através dos assentamentos, também se constitui uma dinâmica mais participativa e reivindicatória do que a tradicionalmente existente no municípios brasileiros: o simples fato de criação de uma associação inaugura uma prática política por vezes desconhecida regionalmente, o que nos permite indagar sobre a possibilidade de estarem ocorrendo alterações moleculares na cultura política local. É possível pensar ainda que os assentamentos se tornem objeto de interesse local, pela possibilidade de se constituírem em novos locus de reprodução de relações de patronagem.(Leite,1995, op. cit.).

No entanto, se há um esforço no sentido de incorporação política dos assentados, há necessidade de complexificar a análise desses esforços, na medida em que novos elementos se colocam em jogo: a presença de mediações que atuam numa rede de relações que muitas vezes ultrapassam os limites do município e assim potencializam suas possibilidades de atuação política. Com efeito, o que torna rica em desdobramentos a ação da Igreja, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, dos sindicatos de trabalhadores rurais, etc., é que essa ação não se esgota no plano específico do assentamento e das relações locais, mas se potencializa numa rede regional, estadual, nacional, permitindo que uma questão local possa sempre ser tratada como algo mais amplo, que envolve interesses supralocais, eliminando a possibilidade de tratar os assentamentos estritamente sob a ótica da sua singularidade e particularismo.(Leite,1995, op.cit.).

Tais elementos colocam novas possibilidades de disputa pelo poder (inclusive político-partidário), pela constituição de novas elites, geradas em processos de luta que, de alguma maneira ameaçam a antiga elite local. Constituem-se representações diferenciadas sobre os assentados e sobre os assentamentos, representações essas que desempenham papel crucial nas disputas em curso, informando diferentes modos de fazer política.

Atualmente, também assumem lugar de importância no debate acadêmico, por um lado, o reconhecimento crescente dos limites das grandes teorias explicativas da sociedade que marcaram por muitos anos o caminho do conhecimento científico nas ciências sociais, destacando-se aí a crença inexorável no “progresso”, e por outro, da incerteza do que virá a ser no futuro o mundo em que vivemos, fruto de rápidas e profundas transformações em todas as dimensões da vida social. Ou como diz José M. Froehlich, no artigo, “O local na atribuição de sentido ao desenvolvimento” (Textos CPDA,1999), além da “perda de confiança nas ‘grandes narrativas’ de Progresso e Iluminismo (...), há também uma ênfase na pluralidade em oposição a uma história unificada e uniderecional, além de uma consciência crescente e uma legitimação da multicodificação, da hibridização e do sincretismo cultural, acarretando, com isso, o reconhecimento da particularidade legítima do saber local”.

De igual modo, tem se verificado uma crescente ampliação de “repertórios culturais e aumento dos recursos de vários grupos para criar novos modos simbólicos de afiliação e pertencimento, um esforço para retrabalhar e reformular o significado de signos existentes, e em todo esse processo o local parece exercer um papel fundamental” (Froehlich, 1999, op. cit.).

A valorização da diferença em oposição a uma visão universalista parece ser o caminho com maiores possibilidades para dar conta da realidade extremamente complexa em que vivemos atualmente, privilegiando o conhecimento dos processos sociais e suas determinações numa situação concreta e secundarizando os indicadores pretensamente universais e as ilações totalizantes que por vários anos dominaram os trabalhos acadêmicos nas ciências sociais. E nesse sentido, a dimensão sócio-espacial do desenvolvimento é condição “sine qua non” para alcançar tal objetivo.

No livro Reforma agrária – O impossível diálogo (Edusp,2000), o professor José de Souza Martins, ao reconhecer a fundamental importância da realização da reforma agrária no Brasil, afirma que o tempo de referência para analisá-la “é o tempo da conjuntura histórica, diferente da conjuntura política e eleitoral, na qual se movem os partidos e os chamados militantes, mesmo, muitas vezes, os militantes de causas humanitárias. (...) O tempo da conjuntura histórica implica menos julgar ações e opiniões de pessoas, e ser contrário ao que são ou parecem ser e fazem. Implica, isso sim, considerar as condições e as consequências estruturais e históricas do que pensam e dizem, o alcance das decisões que tomam, os limites dessas ações e as possibilidades de seu alcance definidas pela circunstância histórica”.

Assim, os indicadores e algumas variáveis acima referidos, bem como as mudanças que podem ser geradas pela reforma agrária, seja em termos de maior equidade, democratização do acesso a terra, aumento da produção de alimentos e fortalecimento do mercado interno, construção de novas relações sociais baseadas na cooperação e na solidariedade, entre outras, mostram a importância da mesma e justificam plenamente a necessidade de realizá-la o quanto antes.

Em síntese, o sentido das reforma agrária no Brasil, no século XXI, está calçado não somente nos resultados que uma eventual democratização do acesso a terra possa trazer aos seus beneficiários e ao meio rural. Fundamentalmente, ela deverá estar voltada para a construção de um novo modelo de desenvolvimento que tenha a agricultura familiar como eixo da política de desenvolvimento rural e a diminuição da violência, do êxodo rural, da desigualdade e da construção da cidadania, com a inclusão de milhões de brasileiros na distribuição da renda e da riqueza nacionais.

Para tanto, é preciso que a reforma agrária seja pensada nos marcos de uma política de desenvolvimento rural sustentável, que tenha a agricultura familiar como eixo central e o combate à pobreza, através de uma política nacional de segurança alimentar, como os norteadores de sua construção e implementação. Por outro lado, uma nova forma da relação Estado e sociedade precisa ser também construída, em bases de igualdade e respeito. Em outras palavras, o Estado deve reconhecer que a pressão dos movimentos sociais no campo é legítima e inerente à própria democracia, de um lado, e os trabalhadores rurais e suas organizações também precisam ter claro que não dá para fazer reforma agrária sem o Estado.

Finalmente, a reforma agrária deve ser regionalizada, no sentido de contemplar diferentes formatos e arranjos na distribuição da terra aos trabalhadores rurais, bem como ter flexibilidade para que a organização da produção e dos assentados nos projetos reflitam as condições econômicas, sociais, o nível de consciência política de que são portadores e a importância da organização associativa na construção do futuro.


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